Manhouce
A freguesia de Manhouce é uma das maiores do concelho de S. Pedro do Sul. Fica no seu extremo ocidental, no limite com o concelho vizinho de Oliveira de Frades e ainda com o distrito de Aveiro (concelho de Vale de Cambra). Situa-se em pleno maciço da Gralheira, na zona limítrofe da Beira Alta e Beira Litoral.
No que respeita ao povoamento inicial da área que hoje alberga a freguesia de Manhouce, os vestígios arqueológicos são em grande número e permitem fazer remontar a épocas pré-históricas esse povoamento inicial. É o caso das cinco mamoas do sítio de Alto do Barro Vermelho. Apesar de terem uma cronologia indeterminada, revelam uma grande antiguidade. A primeira e segunda mamoas encontram-se no limite com Vale de Cambra e têm pequenas dimensões, sendo muito numerosos os elementos líticos recolhidos. A terceira mamoa era maior do que as anteriores e estava revestida de blocos graníticos e quartzo, tendo albergado, no passado, uma cista megalítica. A quarta, de pequenas dimensões, está bem conservada e também terá albergado em tempos uma sepultura tipo cista; e a quinta revela ainda a presença de dois dos esteios originais. O sítio arqueológico de Alto do Espinhaço é composto por duas mamoas pré-históricas. Superficialmente, as mamoas são constituídas por lajes e blocos de xisto e quartzo. Parecem ter definido uma estrutura tumular tipo “cairn”.
O povoado fortificado de Calçadas foi habitado durante a Idade do Ferro. Um castro onde ainda são visíveis as muralhas que prolongam o afloramento granítico natural e que proporcionavam excelentes condições defensivas aos povos locais. Da Idade do Bronze é o sítio de arte rupestre das Corgas de Valongo da Grávia. No afloramento granítico, foram gravados vários motivos, de uma gramática afim da arte rupestre. No Juncal, foram descobertas quatro mamoas, construídas durante a Idade do Bronze, Calcolítico e Neolítico.
A Ponte de Manhouce foi construída no período Romano, no âmbito da rede viária do Império. Ponte de um arco simples de volta inteira, assente directamente em alicerce de rocha emergente do leito e margens do rio, deve ter sido construída entre o século II a. C. e o séc.I d. C. integrando a Estrada Imperial, denominada por Via Cale, que ligava Emérita Augusta (Mérida) a Bracara (Braga), passando por Viseu. Articulada com esta ponte, estaria a Via do Campo das Eirós. Uma via de travessia de plataforma das Chãs, entre o campo das Eirós e as Minas das Chãs. Sensivelmente a meio caminho, esta freguesia era local obrigatório de pernoita de recoveiros e almocreves que por lá passavam, ficando conhecida como “estrada dos almocreves”. Estabeleciam o intercâmbio sócio cultural entre as gentes do litoral e do interior, daí as características do seu traje tradicional existente e divulgado pelos grupos etnográficos de Manhouce.
Nota histórica sobre a peregrinação folclórica a Manhouce:
Trancrição de “Vozes do Povo – A folclorização em Portugal”
Em 1938, Manhouce participou no concurso A aldeia mais portuguesa de Portugal, organizado pelo Secretariado de Propaganda Nacional (SPN). Desde essa data até aos nossos dias, assiste-se a uma peregrinação folclórica a Manhouce, protagonizada por folcloristas, investigadores, jornalistas, turistas e curiosos. Numa primeira fase, este interesse resultou do estatuto alcançado pela aldeia através do concurso e não de um trabalho de pesquisa sistemática feita nas povoações vizinhas. A participação no certame de finais dos anos 1930 transformou Manhouce num terreno etnográfico, onde os investigadores afluíram mais por convicção do que por conhecimento. A freguesia passou a estar representada nas gravações etnográficas de âmbito regional e nacional, nomeadamente: de Armando Leça em 1940-41; de Artur Santos em 1956-57; de Giacometti/Graça s. d. e 1970; e de Sardinha em 1982 e 1997. Da acção dos colectores, ao longo do tempo, observa-se: (a) o surgimento de indivíduos considerados detentores de informação, aos quais várias gerações de investigadores têm recorrido; (b) o alargamento do conceito “cantigas de Manhouce” utilizado pelos manhoucenses envolvidos na folclorização. Nos vários momentos de transcrição e gravação etnográficas, os investigadores seleccionaram repertório dentro de contextos de produção definidos, primeiro o contexto público, depois o privado e finalmente também o religioso. As primeiras transcrições datam de 1938. São de Almeida Campos e representam práticas musicais em contextos públicos. O contexto privado é documentado por Artur Santos, em 1957, e o religioso por Giacometti e Lopes Graça, em 1970. Os grupos folclóricos assimilaram as noções exógenas sobre o que era a sua cultura musical, alargando o conceito “cantigas de Manhouce” aos novos contextos de produção definidos, conforme se pode observar nos programas das suas actuações e nas gravações comerciais. Esta determinação parece estar a ser ultrapassada com a intenção manifestada por Isabel Silvestre de coligir e interpretar práticas musicais cultivadas pelos mineiros nas minas de volfrâmio. Contudo, tal ainda não aconteceu.
A peregrinação folclórica, iniciada em 1938, foi o resultado do impacte que o concurso A Aldeia Mais Portuguesa de Portugal provocou nessa época. Nas décadas de 1980 e 1990, a continuidade da peregrinação foi devida ao prestígio e à acção do GECTM (Grupo Etnográfico de Cantares e Trajes de Manhouce). Acudiram à aldeia canais de televisão e estações de rádio: Mário Martins,6 responsável pelo departamento de “Artistas e Repertório” da EMI-Valentim de Carvalho; equipas pedagógicas do Ministério da Educação; comitivas integradas em eventos regionais, e o Presidente da República em Agosto de 1984.
Depois de quatro fonogramas editados, elementos do GECTM editaram, em 1994, o Cancioneiro Popular de Manhouce, com 57 transcrições “de várias expressões musicais das gentes de Manhouce” (Silvestre, Costa & Boavida 1994: 7). Segundo os autores, o objectivo desta edição foi divulgar o repertório. Contudo, uma vez que esse repertório compilado já fora editado em fonograma pelos grupos de Manhouce e a escrita musical é apenas acessível a um reduzido número de pessoas, aquela razão perde pertinência. A razão da iniciativa prende-se provavelmente com a valorização do texto escrito sobre a transmissão oral ou o fonograma.
Em 2005, Isabel Silvestre mobilizou alguns membros do GECTM e formou um grupo feminino que a acompanhava em concertos, cantando temas, na sua maioria, religiosos. Em 2008, estando o GECTM inativo, e para que os cantares de Manhouce tivessem continuação assegurada, foram integradas meninas dos 8 aos 15 anos, e formou-se o grupo As Vozes de Manhouce, que canta músicas de Manhouce, relativas a todas as temáticas (“do berço á cova”). Os últimos registos discográficos do canto polifónico a 3 vozes são as Geografias do Canto Rural (2018) e Renascer (2019) da autoria d’As Vozes de Manhouce.